TORÁ, MISHNÁ E TALMUDE: O PERIGO DE UM CRISTIANISMO JUDAIZANTE
TORÁ, MISHNÁ E TALMUDE: O PERIGO DE UM CRISTIANISMO JUDAIZANTE
Em nossos dias, cresce o número de cristãos fascinados pelo judaísmo a ponto de tentarem reviver práticas da antiga aliança, como festas, dietas, ritos e usos cerimoniais da Lei de Moisés. No entanto, ao fazer isso, arriscamos cair no mesmo erro que Paulo denunciou em Gálatas: substituir a liberdade do evangelho pela escravidão da letra.
O cristianismo reconhece a autoridade da Torá como Escritura inspirada, mas não considera a Mishná ou o Talmude inspirados, embora sejam úteis para compreender o contexto judaico do Novo Testamento.
A Torá, a Mishná e o Talmude: Diferenças Fundamentais entre Judaísmo e Cristianismo
A Torá
Para os judeus, a Torá (תּוֹרָה) é o núcleo da revelação divina. Refere-se, em sentido estrito, aos cinco primeiros livros da Bíblia Hebraica, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, também chamados de Pentateuco. Ela é considerada a lei escrita (Torá SheBichtav) e fundamento da aliança entre Deus e Israel.
Para nós, cristãos, a Torá também é parte das Escrituras Sagradas, integrando o que chamamos de Antigo Testamento. Cremos que foi inspirada por Deus, como afirma o apóstolo Paulo: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino…” (2 Tm 3.16). Muitos cristãos reconhecem Moisés como o mediador humano dessa revelação. Contudo, lemos a Torá à luz da revelação de Cristo, entendendo-a como preparação e figura do evangelho (cf. Gl 3.24; Hb 10.1).
A Mishná
A Mishná (משנה), compilada por volta do ano 200 d.C. por Judá haNasi, é uma coleção de tradições orais judaicas. Essas tradições foram preservadas por gerações e tratam de como aplicar a Torá na vida cotidiana. A Mishná está organizada em seis ordens (Sedarim), abordando temas como agricultura, festas, leis civis, pureza ritual, entre outros.
Na época de Jesus, muitas dessas tradições orais já eram praticadas e defendidas por grupos como os fariseus. Foi exatamente esse o ponto de tensão entre Jesus e os líderes religiosos: a autoridade das tradições humanas sobre a Palavra de Deus. Cristo não combateu a Torá, mas condenou o uso das tradições orais para anular seus mandamentos. Como lemos em Marcos 7.8-9: “Vocês rejeitam a lei de Deus e a substituem por sua própria tradição. […] Cancelam a palavra de Deus para transmitirem sua própria tradição.”
Portanto, Jesus não combate a Torá, mas sim a deturpação de sua prática por meio de interpretações legalistas que negligenciavam o coração da Lei: misericórdia, justiça e fidelidade (cf. Mt 23.23).
O Talmude
Há dois Talmude: Talmude de Jerusalém (compilado entre 350–400 d.C.) e Talmude da Babilônia (compilado entre 500–600 d.C. o mais influente)
O Talmude (תַּלְמוּד) é a principal obra do judaísmo rabínico posterior. Ele é composto por: Mishná (como texto-base) e Guemará (גמרא) comentários e debates rabínicos sobre a Mishná, que a interpretam e expandem.
O Talmude contém discussões legais, éticas, filosóficas e até narrativas (midrashim). Ele não é somente um código legal, mas uma enciclopédia da tradição judaica.
Para os judeus ortodoxos, o Talmude é essencial: ele forma a base da Halachá, o conjunto de leis que regulam a vida religiosa e moral judaica.
Para os cristãos, o Talmude não tem autoridade espiritual ou canônica. Muitos de seus ensinamentos são incompatíveis com a fé cristã, pois não reconhecem Jesus como o Messias. Contudo, ele é importante como fonte histórica e cultural, pois nos ajuda a entender o pensamento judaico pós-templo e o contexto do Novo Testamento.
O perigo do judaísmo cristianizado não é somente teológico, mas espiritual: é trocar a cruz pela liturgia vazia; é esquecer que a salvação não vem pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus, o Messias prometido.
“Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou? […] Começaram no Espírito; querem agora aperfeiçoar-se pela carne?” (Gl 3.1-3)
— Rafael Assiz
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