O LUTO E A ESPERANÇA ESCATOLÓGICA

O LUTO E A ESPERANÇA ESCATOLÓGICA

Para o cristão, o luto não é meramente uma experiência psicológica ou emocional, mas, sobretudo, uma vivência espiritual profundamente enraizada na compreensão da existência humana diante de Deus, da vida e da eternidade. Ele expressa a tensão existencial entre o fim terreno e a esperança escatológica; entre o sofrimento presente e a certeza futura da ressurreição. A morte nunca foi concebida como um fim absoluto, mas como uma passagem, um “êxodo” que remete não somente à travessia da alma para o além, mas também à consumação de uma peregrinação iniciada no próprio ato criacional.

Costuma-se dizer, em momentos de luto, que a pessoa “voltou para casa” ou “voltou para o lar”. Embora eu entenda o que a pessoa quer dizer ao falar assim, uma pronuncia mais teologicamente adequada seria: “ele foi para a casa”, “ela foi para o lar”. A linguagem não sugere um retorno a uma pré-existência da alma, mas indica uma progressão rumo ao destino escatológico prometido por Deus.

Na teologia, especialmente a partir de Agostinho de Hipona, rejeitou a ideia da pré-existência da alma, defendida, por exemplo, por Orígenes, mais posteriormente condenada como heresia no II Concílio de Constantinopla (553 d.C.). Para Agostinho, a alma é criada por Deus no momento da concepção, sendo sua destinação última a união escatológica com o Criador, e não um retorno a um estado anterior, mas como uma consumação teleológica da existência humana, conforme ensina a doutrina da glorificação: “E aos que chamou, deu-lhes também a justificação; e aos que justificou, deu-lhes também a glorificação” (Romanos 8.30, NVT).

O luto cristão é marcado por uma tensão dialética: de um lado, a dor pela separação física; de outro, a esperança viva na ressurreição. O luto, portanto, não é negado ou minimizado, mas transformado pela esperança da vitória sobre a morte, conforme o triunfante anúncio paulino: “Onde está, ó morte, a sua vitória?” (1 Coríntios 15.55, NVT). Assim, o luto não se converte em desespero por ser um consolo sólido, enraizado na promessa da vida eterna. O luto, portanto, revela o anseio humano por um bem maior, um lar definitivo que, embora ainda não plenamente alcançado, já foi assegurado pela vitória de Cristo sobre a morte.

Gregório de Nazianzo, em sua homilia sobre a morte de seu irmão Cesário, expressou com clareza este entendimento: “Aquele que partiu não se perdeu, mas somente deixou o que é terreno para alcançar o que é celeste”.
A pessoa foi para o lar, essas palavras confortam os nossos corações com a ideia de que a morte não possui a palavra final. Ela preserva o caráter relacional e transcendental da vida humana, apontando que a existência continua, agora na presença plena de Deus, o qual é o verdadeiro “lar” da alma. Eis, pois, a essência do luto cristão, uma dor temperada pela esperança, uma ausência marcada pela promessa da presença definitiva com Deus.

“A morte é apenas um intervalo; a vida verdadeira está por vir”.
 — Hilário de Poitiers

@rafaelassiz

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