DONOS DA VINHA OU SERVOS DO REINO?

DONOS DA VINHA OU SERVOS DO REINO?

“Quando o dono da terra voltar, o que vocês acham que ele fará com aqueles lavradores?”, perguntou Jesus.
(Mateus 21.40)

Essa não é somente uma parábola agrícola. É uma radiografia do coração humano quando é posto como guardião daquilo que pertence a Deus. Quando a graça é concedida, mas não reconhecida. Quando o dom vira posse. Quando o dom vira arrogância. Você percebe o contraste? Tudo começou com zelo. A vinha foi preparada com esmero. Era lugar de produtividade, de confiança, de beleza. Mas os lavradores transformaram o privilégio em pretexto. Agarraram a herança como se pudessem ser donos do que só podiam administrar.
E aqui, a parábola se dobra sobre nós como um espelho incômodo. Quantas vezes, mesmo servindo, mesmo liderando, mesmo com palavras espirituais na boca, o nosso coração já tinha se corrompido pelo poder de parecer dono? Quantas vezes matamos o Filho, não com pregos, mas com indiferença? Quantas vezes o Espírito Santo nos enviou servos, vozes, alertas, confrontos e nós espancamos essas mensagens com argumentos, ignorância ou orgulho? Quantas vezes confundimos o privilégio de estar na vinha com o direito de ser dono dela?
Essa parábola não é apenas uma crítica aos líderes religiosos do primeiro século. Ela é uma leitura precisa da alma de todo aquele que, ao ser confiado com algo de Deus, começa a deformar o dom em domínio. Um a um, os servos enviados foram maltratados. Alguns espancados. Outros assassinados. Até que o dono da vinha diz: “Mandarei meu filho. A ele respeitarão.” Mas não respeitaram. Pelo contrário. Quando viram o filho se aproximar, tomaram uma decisão brutal: “Este é o herdeiro. Venham, vamos matá-lo. Assim, a herança será nossa.”
Esse é o ponto onde a parábola nos obriga a olhar no espelho. Porque ela não fala somente de uma liderança corrupta do passado. Fala de todos os que, ao longo da história, tentaram domesticar o Reino. Reduzir o Sagrado à estrutura de controle. Apropriar-se de uma missão que nunca foi deles para manipular, excluir, dominar.
Você reparou que o texto nunca fala do nome dos lavradores? Eles são sombras. Tipos. Representações. Figuras daqueles que tentam tomar o lugar do Filho e tentam construir um sistema de poder sobre uma vinha que não lhes pertence. A vinha é de Deus. E a morte do Filho é o ápice da arrogância humana tentando calar a Voz que os chamava de volta.
Mas o dono volta. Ele sempre volta. Não com vingança vazia, mas com justiça. Retira a vinha dos usurpadores e a entrega a outros, que lhe darão os frutos no tempo certo. O Reino não será tomado por violência. Nem por politicagem religiosa. O Reino será confiado aos que entenderem que tudo é graça. Tudo é serviço. Tudo é missão.

E a pedra que os construtores rejeitaram? Pois é. Ela se tornou a pedra angular. A base de uma nova construção que não se apoia em títulos, castas ou estruturas, mas na entrega do Filho, no amor sacrificial, na autoridade que serve e não domina.
Essa parábola ainda nos fala hoje. Ela ainda nos pergunta:
— O que você tem feito com a vinha que Deus confiou a você?
— Você está cuidando ou se apropriando?
— Você tem ouvido os servos ou os eliminado da sua consciência?
— E quando o Filho chega… você reconhece sua voz? Ou vê nele uma ameaça?

Não repita o erro trágico dos lavradores maus: não usurpe aquilo que lhe foi apenas confiado para servir. Não tente apropriar-se da herança que pertence exclusivamente ao Filho. Não rejeite, tampouco elimine, Aquele que veio recordar-lhe que tudo quanto você é e possui é dom gratuito da graça divina. Lembre-se: a vinha é um espaço sagrado de cultivo e frutificação, jamais território de expropriação ou domínio ilegítimo.
Que cada um, pois, examine-se com temor e reverência: sou, de fato, um servo fiel que cultiva os frutos do Reino, ou um lavrador infiel que, seduzido pela ilusão da posse, tenta usurpar o que nunca me pertenceu?

— @rafaelassiz

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